domingo, 16 de maio de 2010

No cemitério de Raul: era proibido morrer de manhã. E morrer de tarde também era. E morrer de noite - nem pensar - a não ser nos dias de lua cheia.

Década de 60.
Em Raul Soares por muito tempo ninguém queria saber de morrer, nem mesmo aqueles que já tinham chegado à hora, e que diziam estar nas últimas e que seria bom se ele descansasse em paz. Em Raul, por muito tempo ninguém queria saber de morrer e ser enterrado no nosso cemitério.
Na interessante novela da Rede Globo, "O bem amado" o prefeito Odorico Paraguaçu - depois que a obra do cemitério estava pronta, numa demonstração que tinha feito uma grande obra e de muita necessidade, passou então a torcer para que morresse alguém para aproveitar e inaugurar o polêmico cemitério. Mas, ninguém queria saber de morrer. A imprensa e o partido da oposição criticavam muito porque achavam que a construção daquele cemitério não fazia parte das primeiras necessidades, e além de tudo, aquela construção do cemitério foi para desviar verbas num superfaturamento. Coisas de novela de Dias Gomes mais ou menos parecida com as coisas estranhas que acontecem na nossa cidade...
Em Raul antes do atual cemitério ficar pronto, o cemitério funcionava aonde era a antiga caixa d’água, no cruzeiro, hoje estação de água (SAAE) lá no segundo morro da Rua do morro - quem viveu essa época dizia que era uma tristeza dobrada quando morria alguém, e, se coincidisse do sol estar quente, só iam no enterro se fosse muito chegado na família.
Como a nossa cidade é banhada por dois rios, construções de hospital e de cemitério serão sempre feitas na parte mais alta. O medo de a enchente destruir é grande.
Quando o cemitério era lá no alto do cruzeiro, muita gente morreu de enfarto ou tiveram derrame durante o enterro - ter que carregar um caixão e ainda subindo um morrão daquele... Quando morria alguém, carregando um caixão na subida do morro para chegar ao cemitério, depois, ninguém queria saber de ir no enterro daquela pessoa, com medo que acontecesse o mesmo. O pessimismo era geral. Por causa disso, depois de muita polêmica, transferiram o cemitério para aonde ele funciona até hoje.
Com pouco tempo o cemitério ficou pequeno, e tinham que desapropriar algumas casas para aumentar o tamanho, e os políticos, não interessavam muito - pensavam que rede esgoto e cemitério são obras que não dão votos, esgoto está debaixo da terra e ninguém vê, e aqueles que já haviam morrido não votariam mais.
Em Raul no princípio dos anos 60, como na novela "O bem amado" o que aconteceu com o nosso cemitério, foi um pouco diferente, mas, foi interessante do mesmo jeito. Por aqui ninguém queria saber de morrer. Ninguém queria saber de ser enterrado nesse atual cemitério que estava muito triste e abandonado e ao mesmo tempo diziam que estava aparecendo sombração. O certo mesmo que por causo disso o nosso cemitério ficou abandonado.
Alguns engraçadinhos que adoravam contar piadas em cemitério e velórios, literalmente, quase que começaram a rezar para que morresse alguém... Alguns críticos que não perdoavam nada, inventaram que muitos raul-soarenses estavam evitando morrer de morte morrida, somente para não serem enterrados no nosso abandonado cemitério. Mesmo quem estava com o pé na cova não queria nem saber de morrer. O cemitério estava tão triste que estava dando até medo de ficar lá dentro sozinho. Depois da meia noite (então) nem pensar...
Depois de muito tempo resolveram fazer uma reforma, e desapropriaram algumas casas para aumentar o tamanho e plantaram árvores e flores. Ai voltou ao normal. Para se ter uma idéia em Raul tem duas grandes funerárias, e, dizem que estão chegando mais três.
Antigamente era muito triste chegar à porta do cemitério e dar de encontro com aquela placa na porta da entrada: “É proibido morrer”.

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